Deficientes visuais são excelentes degustadores de vinho
Sommelière aproveita o paladar e o olfato apurados de deficientes visuais para formar profissionais do vinho

A história começou porque Daniella, que estudou em conceituadas instituições com a Federazione Italiana Sommelier Albergatori Ristoratori do Piemonte, a École de Vins de Bourgogne e a University of California, em Davis, é também a dona de uma empresa, a Aromas do Vinho, que produz e comercializa um kit com 54 essências e substâncias que reproduzem fielmente os aromas da natureza – específico para estudiosos de vinhos. Assim, desenvolveu vidrinhos com aromas de couro, tabaco, alcaçuz, brioches, morangos, violetas, grama e muitos outros. Acontece que, antes de lançar a caixa no mercado, a sommelière quis testar a eficácia de sua criação. “Pensei em validá-la com pessoas que tivessem alta sensibilidade, mas não fossem profissionais do ramo”, diz Daniella. Começou, então, uma busca por associações de apoio a deficientes visuais. “Ouvi vários 'nãos' até que, um dia, o Marco me procurou.”

Daniella começou então a treiná-los, ensinando os conceitos mais básicos. “No início, eu só queria saber se a minha caixa de aromas estava sendo bem desenvolvida. Mas, ao longo das aulas, minha ideia foi mudando”, diz a sommelière. Ela conta que se apaixonou pelo grupo e suas possibilidades. “Percebi que eles podem ir longe. Com um pouco mais de treinamento, podem atuar juntos como um painel de degustadores, prefeito para, por exemplo, detectar defeitos em um determinado lote de bebida.”
Foi assim que aconteceu o projeto Ver o Vinho. Desde o segundo semestre de 2010, ela recebe semanalmente em seu escritório, em São Paulo, esse grupo composto por oito homens e quatro mulheres para ampliar os conhecimentos de seus aprendizes sobre o universo da enologia, treinar e aperfeiçoar ainda mais seus apurados olfatos e paladares. “Minhas despesas são relativamente altas, mas esse projeto é, acima de tudo, algo que me traz uma alegria imensa. É muito gratificante”, diz a sommelière que se dedica ao projeto voluntariamente.
Para os encontros semanais do grupo, todo o material é adaptado. Os copos têm etiquetas em alto-relevo, os aromas são encapsulados em pequenos recipientes plásticos inquebráveis e as fichas têm textos em braille. Tudo isso foi desenvolvido após uma observação atenta das necessidades especiais dos aprendizes. “Até gestos simples tiveram de ser muito treinados”, diz. “Quando eu pedia a eles para girarem suas taças, por exemplo, eles faziam isso sem tirá-las da mesa e muito lentamente. Fui ensinando um a um, primeiro com o copo vazio, depois com água e, só então, com vinho. E eles se surpreenderam com o efeito que isso proporciona.”
A cada semana, o grupo degusta quatro vinhos. A tarefa de casa dos alunos é estudar as uvas, as regiões produtoras, os tipos de vinho. Para isso, contam com a ajuda de programas de computador que convertem em sons os textos da internet.

Além do eficaz trabalho de inclusão social, o Projeto Ver o Vinho também melhora a qualidade de vida dos deficientes que participam. “Esse estudo incorporou à minha vida um novo prazer e me abriu grandes oportunidades”, afirma Marco. “Sou uma pessoa mais feliz por saber reconhecer e aproveitar as qualidades de um bom vinho.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário